Kohlberg

    Lawrence Kohlberg é o nome mais importante deste século no âmbito da educação moral. A sua investigação domina praticamente todos os debates sobre educação moral no mundo universitário e a sua teoria é presença constante em revistas de educação A sua investigação influenciou não apenas o mundo da educação, mas também da justiça. O reconhecimento de Kohlberg surgiu nos anos 80, embora os seus trabalhos fossem conhecidos e debatidos no mundo restrito dos académicos que se dedicavam ao estudo do desenvolvimento moral. De certa forma, o seu reconhecimento e popularidade constituiu uma resposta ao mal estar causado pela ineficácia do modelo curricular da clarificação de valores, tão em voga durante os anos 60 e 70. Por outro lado, a sua teoria abriu uma porta de esperança para os que vêem a sociedade norte-americana e as sociedades europeias ameaçadas pela corrupção, criminalidade e crescente egoísmo social.

    O interesse pela teoria de Kohlberg deve-se, também, à seriedade e à monumentalidade do trabalho de investigação conduzido por ele ao longo de três décadas, sem nunca se desviar do seu objectivo central: o estudo do desenvolvimento moral e de uma abordagem à educação moral preocupada com a questão da justiça. Nessa caminhada, Kohlberg soube, como poucos, associar os contributos da psicologia do desenvolvimento, em particular dos trabalhos de Piaget, da filosofia moral, nomeadamente o pensamento de Kant e da sociologia política, com particular destaque para o liberalismo social de John Rawls. Psicologicamente, Kohlberg afastou-se das influências psicanalítica e comportamentalista, representadas ao mais alto nível por Freud e Skinner, procurando as suas raízes na psicologia cognitivista de inspiração piagetiana. Filosoficamente, Kohlberg recusou a influência da filosofia analítica, procurando um retorno à filosofia crítica de inspiração kantiana. Sociologicamente, reagiu à influência do relativismo moral, procurando justificações para a defesa de uma ética universal, independente dos condicionalismos sociais e culturais. Kohlberg iniciou a sua investigação sobre desenvolvimento moral em crianças e adolescentes, com a apresentação da sua Tese de Doutoramento, na Universidade de Chicago, em 1958. Daí até à sua morte, em 1987, nunca mais abandonou o estudo do desenvolvimento e da educação moral. Lawrence Kohlberg e os seus colaboradores, ao longo de 30 anos, nunca deixaram de colocar novas hipóteses, reexaminaram dados anteriores, fizeram revisões dos estudos e responderam às inúmeras críticas vindas, sobretudo, de teorias não cognitivistas do desenvolvimento moral. A bibliografia de Kohlberg foi, durante muitos anos, disponível apenas em séries monográficas e artigos de revistas científicas. Nos anos 80, esses estudos foram reunidos em dois volumes com cerca de 500 páginas cada um, com os títulos de Essays on Moral Development I -The Psychology of Moral Development e Essays on Moral Development II - The Philosophy of Moral Development. Para além dos textos originais de Kohlberg, existe uma enorme quantidade de literatura sobre a teoria de Kohlberg, sobretudo apresentações, comentários, críticas e desenvolvimentos. As revistas The Journal of Moral Education e Moral Education Forum dedicam, há longos anos, números temáticos sobre os desenvolvimentos da teoria de Kohlberg, bem como sobre as aplicações curriculares da sua teoria. A literatura sobre educação moral tem apelidado a teoria de Kohlberg de cognitivo-desenvolvimentista, construtivista e interaccionista. Kohlberg e colaboradores têm afirmado, frequentemente, as influências de Sócrates, Platão, Kant, Rawls, Dewey e Piaget. Nos fundamentos filosóficos, a teoria de Kohlberg deve muito ao pensamento de Sócrates, Platão e Kant. Nos fundamentos psicológicos, a sua dívida é enorme para com Piaget. Nos fundamentos sociais, políticos e educacionais, a sua dívida é grande para com Dewey e Rawls.
    O interaccionismo social da teoria da educação moral de Kohlberg e, em particular, a abordagem comunidade justa, é influenciada pela teoria educacional de John Dewey, nomeadamente o livro Educação e Democracia. Essa dívida foi publicamente explicitada por Kohlberg no artigo Development as the Aim of Education: The Dewey View, no qual descreve analisa três grandes teorias educacionais, o romantismo (Rousseau, Freud e Mill), a transmissão cultural (Durkheim) e o progressismo (Dewey). Kohlberg rejeita quer o individualismo romântico quer o colectivismo da transmissão cultural, propondo uma teoria que estabeleça uma síntese criativa entre o individual e o social na educação, baseada na noção de interacção e interdependência entre o organismo e o ambiente, entre a pessoa e o meio, entre o sujeito e o objecto, à boa maneira de Jean Piaget. Epistemologicamente, Kohlberg assume-se como um continuador de Piaget, rejeitando a noção de que o conhecimento seja o produto da cultura ou do inatismo. Ao invés, o conhecimento constrói-se a partir da interacção do sujeito com o objecto, do organismo com o meio, não fazendo sentido algum a separação de um do outro. Esta ligação íntima entre o individual e o social assume uma lugar central na moral de Kohlberg. A justiça surge como o expoente máximo dessa ligação, porque pressupõe que o indivíduo seja capaz de equilibrar os seus interesses e pontos de vista com o os interesses mais gerais da sociedade. A partir dos anos 70, com o início do seu envolvimento na criação de programas curriculares de educação moral, em cenários de escolas secundárias, Kohlberg passou a acentuar mais o carácter social da moralidade, aproximando-se de alguns aspectos da moralidade durkheimiana e dos programas educativos postos em prática em alguns kibbutz israelitas. Esse movimento levou Kohlberg a dar cada vez mais importância ao desenvolvimento de um estádio 4 da moralidade e ao papel da escola e do professor na promoção do desenvolvimento moral. O maior contributo de Kohlberg para o estudo do desenvolvimento moral foi, sem dúvida, a sua teorias dos estádios do desenvolvimento moral. A melhor forma de apresentar essa teoria é recorrendo a um quadro explicativo.
Estádio 1
. Orientação pela obediência e punição. deferência egocêntrica face ao poder e à autoridade.
Estádio 2
. Estádio da individualidade instrumental. Orientação egoísta. A acção correcta é aquela que satisfaz as necessidades do indivíduo e apenas ocasionalmente dos outros. Igualitarismo radical.
Estádio 3.
Orientação bom rapaz, linda menina. Orientação para a aprovação e para agradar aos outros. Conformidade aos estereótipos sociais.
Estádio 4
. Orientação para a manutenção da ordem e da autoridade. Respeito pela autoridade e pelas expectativas que a sociedade deposita em nós.
Estádio 5
. Orientação contratual legalista. O dever é definido em termos de contrato. deferência para com o bem estar dos outros e pelo cumprimento dos contratos.
Estádio 6.
Orientação pelos princípios éticos. A acção é conforme a princípios universais. Primado da consciência individual e pelo cumprimento do dever.

    Os estádios 1 e 2 agrupam-se no nível pré-convencional.
Para o estádio 1, o certo é a obediência cega às regras e à autoridade, de forma a evitar a punição. O que está certo é evitar a violação das regras e evitar danos físicos aos outros e à propriedade. As razões para fazer o que está certo é evitar a punição e os castigos. A criança neste estádio assume um ponto de vista meramente egocêntrico. Não considera os interesses dos outros e não relaciona vários pontos de vista em simultâneo.
Para o estádio 2, o certo é a satisfação das nossas necessidades. O que está certo é seguir as regras quando elas nos servem. O certo é a satisfação dos nossos interesses e necessidades. O certo é deixar os outros fazerem o mesmo. Neste estádio, a criança reconhece que os outros também têm interesses. A criança, neste estádio, assume uma perspectiva concreta individualista. Separa os seus interesses dos interesses dos outros. Os conflitos de interesses resolvem-se dando a todos uma parte igual.
    Os estádios 3 e 4 agrupam-se no nível convencional.
Para o estádio 3, o certo é ser simpático, leal e digno de confiança. O adolescente, neste estádio, preocupa-se com as necessidades dos outros e procura cumprir as regras e as normas. O que está certo é viver de acordo com aquilo que os outros esperam de nós e fazer aquilo que os outros esperam que nós façamos. O adolescente, neste estádio, mostra gratidão e apreço pelas autoridades e procura ser digno dessa confiança. O adolescente, neste estádio, respeita a regra de ouro, isto é, reconhece a importância da reciprocidade e trata bem os outros porque espera que os outros também o tratem bem. Este estádio tem em conta tanto a perspectiva do indivíduo como a perspectiva dos outros. Uma pessoa, neste estádio, sabe partilhar sentimentos e sabe relacionar diferentes pontos de vista em simultâneo. É capaz de "calçar os sapatos dos outros", isto é, sabe colocar-se no papel dos outros.
Para o estádio 4, o certo é cumprir o dever para com a sociedade, manter a ordem social e velar pelo bem estar de todos. As leis são para serem cumpridas e a sociedade espera que cada um dê o seu contributo para o bem estar geral. A razão para fazer o que está certo é ajudar a manter a ordem social e o bom funcionamento das instituições. Este estádio distingue os pontos de vista da sociedade dos pontos de vista dos grupos e dos indivíduos. Uma pessoa, neste estádio, assume o ponto de vista do sistema e considera as relações interpessoais em termos do seu lugar no sistema.
    Os estádios 5 e 6 agrupam-se mo nível pós-convencional.
Para o estádio 5, a escolha moral é baseada nos direitos básicos, nos contratos legais e nos valores morais, mesmo quando há conflito com as leis ou as regras do grupo. O que está certo é ter consciência que as pessoas nem sempre partilham os mesmos valores e que, por vezes, as leis e as regras do grupo são injustas e não merecem, portanto, ser obedecidas. A razão para fazer o que está certo reside na necessidade de respeitar os contratos e os direitos dos outros. Neste estádio, a pessoa toma decisões ma base do maior bem para o maior número. Neste estádio, há verdades mais importantes que os interesses da sociedade. A pessoa, neste estádio, considera o ponto de vista legal e o ponto de vista dos outros e procura reconhecer o conflito entre eles, de forma a fazer escolhas que tragam o maior bem para o maior número. Para o estádio 6, o certo é o que obedece aos princípios éticos universais. As leis ou os contratos e acordos sociais são válidos sempre que respeitam esses princípios. Quando a lei viola os princípios éticos, a pessoa deve agir de acordo com os princípios éticos, ainda que tenha de violar as leis.